1. CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO DA ÉPOCA:
O início
do século XIX no Brasil é marcado, em 1808, pela chegada da família real portuguesa,
que fugia do conflito entre a França napoleônica e a Inglaterra. No Brasil,
ainda, apreciava-se a arte barroco-colonial.
A
transferência da corte portuguesa para o Brasil e a elevação da colônia a Reino
Unido e sede do governo metropolitano renovaram o país. Nessa cidade o soberano
português começou uma série de reformas administrativas, socioeconômicas e
culturais, para adaptá-la às necessidades dos nobres que vieram com ele e sua
família. Assim, foram criadas as primeiras fábricas e fundadas instituições
como o Banco do Brasil, a Biblioteca Real, o Museu Real e a Imprensa Régia.
No século
XIX, após um crescimento contínuo da grande lavoura de exportação
(cana-de-açúcar), que se confundiu com a expansão do café pelas serras e vales
do interior da província do Rio de Janeiro, começaram a aparecer sinais
evidentes de que a agricultura brasileira vivia uma profunda crise. Esta crise
era atribuída, sobretudo, à falta de braços (pelo fim da escravidão) e de
capitais, além do atraso técnico e administrativo na condução das lavouras.
A maioria
dos grandes proprietários acreditava na exploração extensiva dos sistemas de
produção, através da expansão das fronteiras agrícolas, abandonando as lavouras
atuais quando estas não tivessem mais produtividade satisfatória e a busca de
novas áreas reiniciando, assim, o ciclo de exploração da fertilidade dos solos.
Esta era a cultura nômade de expropriação do solo brasileiro, na qual pouco se
pensava nas consequências negativas dos manejos agropecuários empregados, especialmente
no que diz respeito à destruição florestal.
Ø teorias
de nova interpretação da realidade: Positivismo, Determinismo, Socialismo
Científico e Evolucionismo;
Ø no
Brasil, campanha abolicionista a partir de 1850 que culmina com a Lei Áurea em
1888;
Ø fundação
do Partido Republicano nacional após a Guerra do Paraguai;
Ø decadência
da monarquia brasileira;
Ø fim da mão
de obra escrava e sua substituição por trabalho assalariado;
Ø imigrantes
europeus para a lavoura cafeeira;
Ø economia
mais voltada para o mercado externo, sem colonialismo.
.
2 . ESPAÇO:
O uso do espaço
urbano pelas personagens de “O cortiço” permite configurar a obra de Aluísio
Azevedo como um romance de localização especificamente carioca. Nele, são
flagradas a cidade e a sociedade em estado de mutação, quando se adapta para o
ambiente urbano a dicotomia de casa grande e senzala, agora traduzida pelos
contrastes simbolizados pela oposição entre cortiço e sobrado. Assim, a
preocupação com a veracidade, própria do realismo-naturalismo, fornece um
painel da cidade, em momento de profunda transformação social, cultural,
humana. Graças à minuciosa pesquisa que empreendeu, Aluísio Azevedo transformou
seu romance em um documentário não só sobre a acumulação de capital como também
sobre a cidade do Rio de Janeiro, através da vida, trabalho, moradia e lazer de
seus habitantes, sejam eles pertencentes às camadas aristocráticas ou às
populares.
Pode-se
começar a proceder a uma análise sociológica de “O Cortiço” pelo exame dos
espaços físicos: o cortiço e o sobrado onde seu enredo se desenvolve, buscando
compreender como se projeta a relação personagem versus ambiente, bem como as
relações sociais presentes na obra sob a ótica determinista de Aluísio Azevedo.
“Não
obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam se
logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em
alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os
empregados da pedreira preferiam todos morar lá, porque ficavam a dois passos
da obrigação [...] Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem".
(Aluísio Azevedo. “O Cortiço”, cap. I, p.21).
“Justamente
por essa ocasião vendeu-se também um sobrado que ficava à direita da venda,
separada desta apenas por aquelas vinte braças; de sorte que todo o flanco
esquerdo do prédio, coisa de uns vinte e tantos metros, despejava para o
terreno do vendeiro as suas nove janelas de peitoril. Comprou o um tal Miranda,
negociante português, estabelecido na Rua do Hospício com uma loja de fazendas
por atacado''. (Idem, ibidem, cap.I, p.13).
O espaço
tomado como instrumento de análise apresenta vários aspectos. Dentre eles,
destaca-se a noção de espacialidade dimensional que pode ser mensurável e
divide-se em vertical e horizontal. A
ideia de verticalidade se relaciona com o espaço divino ou sobrenatural, a
noção de horizontalidade opõe-se a verticalidade, uma vez que a horizontalidade
é própria do espaço humano ou natural.
Dessa
forma, o romance naturalista busca muito mais que compor uma narrativa, mas,
projetar as personagens e suas ações numa posição em que os espaços falam por
si só carregando toda ideologia determinista de que o homem é produto do meio.
De
início, constata-se um espaço amplo e complexo, que pode ser inicialmente
caracterizado pela função específica para o qual foi construído: habitação
popular, o que fica explícito pelo “frontispício” de sua construção,
sinalizando também para o teor das relações humanas que se dão em seu bojo,
pelo próprio aspecto material de sua “auto-identificação”:
“Noventa e
cinco casinhas comportou a imensa estalagem. Prontas, João Romão mandou
levantar na frente, nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do
Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e
fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma
lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia
o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem ortografia: Estalagem de São Romão.
Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras”. (AZEVEDO,
2000: 26)
3. TEMPO:
O tempo
narrativo acontece no final o século XIX e a narração é linear, ou seja, predomina
nele o que chamamos de tempo cronológico, linearidade ou diacronia temporal.
Essa linearidade, no entanto, é rompida vez ou outra com a inserção de alguns
flashbacks, rememorações ou digressões. Essas ocorrências não colaboram para a
quebra da referida linearidade e o romance, portanto, deve ser considerado
cronologicamente disposto.
Aliás, o
romance inicia-se com um flashback para explicar como João Romão iniciou seus
negócios.
4. LINGUAGEM:
Uma
análise estilística apresenta a linguagem de O Cortiço, em sua plurivalência de
nacionalidades: mostra como o francês, o italiano, o português de Portugal, o
falar do cortiço, o falar dos salões constituindo conjuntos que integralizam a
língua brasileira num sentido mais amplo.
Sua
língua é mestiça como suas personagens e se espalha pelo simples e pelo
complexo. Por aí se poderia chegar a tocar de novo no problema da ideologia que
configurou o romance. Ideologia esta que tanto mais se configura quanto mais se
sabe que a arte de Aluísio se voltava para o receptor. Sua produção tinha um
endereço certo: o jornal, o teatro e uma grande massa de leitores.
5. FOCO
NARRATIVO:
O foco
narrativo é em terceira pessoa, muito comum à escola literária
realista-naturalista. Fica mais fácil, dessa forma, relatar de maneira objetiva
os fatos, os acontecimentos, e fazer a denúncia social de maneira isenta e
impessoal.
Além do
narrador do tipo observador, pode-se encontrar também o narrador onisciente,
que nos traz informações sobre o estado de espírito das personagens.
6. PERSONAGENS:
Quando
Aluísio de Azevedo queria compor cenários, criar personagens, estereótipos,
tipos humanos fazia um laboratório em lugares aos da sua imaginação, conversava
com as pessoas que ali viviam, envolvia-se com seus problemas, seus hábitos,
sua origem e ia montando o quebra-cabeça de sua obra. Era o crítico que,
impiedosamente, compunha a sinfonia de pessoas de classes sociais inferiores,
marginalizados, discriminadas; exercendo seus temas favoritos: traição, as
taras sexuais, os preconceitos raciais, as patologias sociais.
Muitas
vezes, porque era um desenhista que se esmerava em tudo quanto fazia, compunha
cenas e personagens em papel-cartão, estudando quais aspectos seriam mais
realistas como acontecimentos, colocando tudo diante de si como se fossem
acontecimentos vívidos e planejando, a partir de seus desenhos, a continuidade
das histórias que inventada a partir da vida.
Aluísio
Azevedo sofreu larga influência do francês Émile Zola, cuja qualidade máxima é,
por excelência, representar a realidade com rigor científico. Da personagem
João Romão, por exemplo, traça um perfil que o coloca como uma metonímia de
todas as criaturas que imigram, sofrem e perdem-se no sentido de apenas
possuir.
Em “O
cortiço”, ocorre sistematicamente um fenômeno chamado zoomorfização
(animalização) dos seres humanos. O crítico literário Antonio Candido, no texto
“De cortiço a cortiço”, presente no livro “O discurso e a cidade”, observa que,
no Naturalismo, existe “uma tendência de conceber a vida como a soma das
atividades do sexo e da nutrição, sem outras esferas significantes”. Sendo
assim, não há como negar que na escola literária em questão o ser humano é
flagrado no conjunto social a que pertence, com ênfase nas baixas classes
sociais, e, ali, é exposto ao leitor da forma mais primitiva e animalizada:
comem, bebem, fazem sexo, brigam, matam e morrem.
São
criaturas grosseiras, seduzidas pelos instintos, condenadas a refletir em seus
comportamentos o universo coletivo do ambiente que habitam; por isso, o
narrador apresenta-nos os moradores daquele local e seus vícios, aproximando-os
do mundo animal: sensualidade, preguiça, instintos à flor da pele.
É
importante ressaltar, ainda e principalmente, que o cortiço não é apenas um
ambiente, espaço onde os acontecimentos se dão. De certa forma, especial e
insistente, é tratado pelo narrador como a principal personagem do romance.
7. RESUMO:
O livro
narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular
capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir
atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da
pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem
descanso.
Em
oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem
estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra
que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o
rompimento provisório de relações entre os dois.
Com
inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha
ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um
fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe
o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é
necessário também ostentar uma posição social reconhecida, frequentar ambientes
requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja,
participar ativamente da vida burguesa.
No
cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira.
Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de
como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o
caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da
mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que
muda todos os seus hábitos.
A relação
entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de
barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as
conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora
ostenta ares aristocráticos.
O cortiço
todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se
transformar na Vila João Romão.
O dono do
cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante
em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que,
percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens
acumulados a seu lado.
Para se
ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a
denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a
ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o
casamento de Romão.
Lista de personagens
Os
personagens da obra são psicologicamente superficiais, ou seja, há a primazia
de tipos sociais. Os principais são:
João Romão: taverneiro português,
dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador.
Bertoleza: quitandeira, escrava
cafuza que mora com João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina.
Miranda: comerciante português.
Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado aburguesado, ao lado do
cortiço.
Jerônimo: português “cavouqueiro”,
trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.
Rita Baiana: mulata sensual e
provocante que promove os pagodes no cortiço. Representa a mulher brasileira.
Piedade: portuguesa que é casada
com Jerônimo. Representa a mulher europeia.
Capoeira Firmo: mulato
e companheiro que se envolve com Rita Baiana.
Arraia-Miúda:
representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e pelo
policial Alexandre.
8. O AUTOR:
Aluísio
Azevedo (A. Tancredo Gonçalves de A.), caricaturista, jornalista, romancista e
diplomata. Nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos
Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913. É o fundador da Cadeira n. 4 da
Academia Brasileira de Letras.
Era filho
do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de d. Emília Amália Pinto
de Magalhães e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Sua mãe havia
casado, aos 17 anos, com um rico e ríspido comerciante português. O
temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. Emília refugiou-se
em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David.
Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época
foi considerado um escândalo na sociedade maranhense.
Da
infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro
e guarda-livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela
pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais
tarde ao caracterizar os personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o
Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur. Matriculou-se
na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para
manter-se, fazia caricaturas para os jornais da época, como O Fígaro, O
Mequetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses "bonecos"
que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.
A morte
do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família.
Ali começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance “Uma
lágrima de mulher”, típico dramalhão romântico. Ajuda a lançar e colabora com o
jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura,
enquanto os padres mostravam-se contrários a ela. Em 1881, Aluísio lança “O
mulato”, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense, não só pela
crua linguagem naturalista, mas, sobretudo, pelo assunto de que tratava: o
preconceito racial. O romance teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte
como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pode fazer o caminho de volta para o Rio
de Janeiro, embarcando em 7 de setembro de 1881, decidido a ganhar a vida como
escritor.
Quase
todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou
a publicar seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para
garantir a sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo de
Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das
casas de pensão e sua exploração pelo imigrante, principalmente o português.
Dessa preocupação resultariam duas de suas melhores obras: Casa de pensão
(1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895 escreveu sem interrupção: romances,
contos e crônicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo
e Emílio Rouède.
Em 1895
encerrou a carreira de romancista e ingressou na diplomacia. O primeiro posto
foi em Vigo, na Espanha. Depois serviu no Japão, na Argentina, na Inglaterra e
na Itália. Passara a viver em companhia de D. Pastora Luquez, de nacionalidade argentina,
junto com os dois filhos, Pastor e Zulema, que Aluísio adotou. Em 1910, foi
nomeado cônsul de 1a classe, sendo removido para Assunção. Depois foi para
Buenos Aires, seu último posto. Ali faleceu, aos 56 anos. Foi enterrado naquela
cidade. Seis anos depois, por uma iniciativa de Coelho Neto, a urna funerária
de Aluísio Azevedo chegou a São Luís, onde o escritor foi sepultado
definitivamente.
REFERÊNCIAS
SUGESTÃO DE LEITURA:
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