Rapsódia
"Macunaíma" é fruto do
conhecimento reunido por Mario de Andrade acerca das lendas e mitos indígenas e
folclóricos. Dessa forma, pode-se dizer que a obra é uma rapsódia, que é uma
palavra que vem do grego e designa obras tais como a Ilíada e a Odisséia de
Homero. Para os gregos, uma rapsódia é uma obra literária que condensa todas as
tradições orais e folclóricas de um povo. Além disso, na música (Mario de
Andrade tinha formação musical também) uma rapsódia utiliza contos tradicionais
ou populares de certo povo em temas de composição improvisada.
Há, ainda, uma aproximação ao
gênero épico: à medida que o livro narra, em trechos fragmentados, a vida de um
personagem que simboliza uma nação. Sobre a acepção musical dada pelo
dicionário, chama atenção o improviso da narrativa, que impressiona e
surpreende a cada momento, tendo como pano de fundo a cultura popular.
O enredo dessa rapsódia pode
tornar-se confuso ao leitor acostumado ao pacto de verossimilhança realista.
Por exemplo, é necessário aceitar o fato de o protagonista morrer duas vezes no
romance; ou, então, que Macunaíma, em uma fuga, possa estar em Manaus e,
algumas linhas depois, aparecer na Argentina; ou ainda o fato de o herói
encontrar uma poça que embranquece quem nela se banha.
A verossimilhança em questão é
surrealista e deve ser lida de forma simbólica. A cena em que Macunaíma e seus
dois irmãos se banham na água que embranquece pode ser entendida como o símbolo
das três etnias que formaram o Brasil: o branco, vindo da Europa; o negro,
trazido como escravo da África; e o índio nativo. Nessa cena, Macunaíma é o
primeiro a se banhar e torna-se loiro. Jiguê é o segundo, e como a água já
estava “suja” do negrume do herói, fica com a cor de bronze (índio); por
último, Manaape, que simboliza o negro, só embranquece a palma das mãos e a
sola dos pés.
Retrato
do povo brasileiro
O livro faz parte da primeira
fase modernista – a fase heroica. A influência das vanguardas europeias é
visível em várias técnicas inovadoras de linguagem que a obra apresenta. Por
isso, "Macunaíma" pode oferecer algumas dificuldades ao leitor
desavisado.
Há inúmeras referências ao
folclore brasileiro. A narrativa se aproxima da oralidade – no capítulo “Cartas
pras Icamiabas”, Macunaíma ironiza o povo de São Paulo, que fala em uma língua
e escreve em outra. Além disso, não existe verossimilhança realista.
Alguns aspectos históricos
motivaram Mário de Andrade a criar tais “empecilhos”. A referência ao folclore
brasileiro e à linguagem oral é manifestação típica da primeira fase
modernista, quando os escritores estavam preocupados em descobrir a identidade
do país e do brasileiro.
No plano formal, essa busca se dá pela linguagem
falada no Brasil, ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No
plano temático, a utilização do folclore servia como matéria-prima dessa busca.
"Macunaíma" é,
portanto, uma tentativa de construção do retrato do povo brasileiro. Essa
tentativa não era nova. O autor romântico José de Alencar, por exemplo, tivera
a mesma intenção ao criar, no romance O Guarani, o personagem Peri, índio de
aspirações nobres, que se assemelhava, em relação a sua conduta ética, a um
cavaleiro medieval lusitano. Não é exagero dizer, se compararmos Peri a
Macunaíma, que esse é o oposto daquele. Enquanto o primeiro é valente,
extremamente perseverante e encontra suas motivações nos valores da ética e da
moral, Macunaíma, além de indolente, conduz a maioria de seus atos movido pelo
prazer terreno, mundano. É “o herói sem nenhum caráter”.
Assim, "Macunaíma" é
uma obra que busca sintetizar o caráter brasileiro, segundo as convicções da
primeira fase modernista. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não
tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de Macunaíma,
mas imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do heroi.
Narrador
A crítica literária contemporânea
faz questão de considerar a diferença entre o autor e o narrador: esse é tido
como uma criação daquele. No caso de "Macunaíma", no entanto, essa
distinção pode ser questionada, quando o narrador aparece no último capítulo.
No “Epílogo”, o narrador revela que a história que acabara de narrar havia sido
contada por um papagaio, que, por sua vez, a tinha ouvido de Macunaíma: “Tudo
ele – o papagaio – contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem
sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história”. Essa interferência
do narrador, da forma como foi feita, aproxima-o do autor, no caso Mário de
Andrade.
Tempo
e espaço
Por tratar-se de uma narrativa
mítica, o tempo e o espaço da obra não estão precisamente definidos, tendo como
base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é prioritariamente o espaço
geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, enquanto o tempo
cronológico da narrativa se mostra indefinido.
Comentário
do professor
O prof. Marcílio Lopes Couto, do
Colégio Anglo, ressalta que "Macunaíma" é uma obra inserida nas
propostas da Semana de Arte Moderna de 1922. Mario de Andrade, assim como
outros modernistas, busca resgatar a imagem do Brasil, sendo, portanto, uma
obrar com caráter nacionalista. Porém, esse nacionalismo não é dado da mesma
forma que o nacionalismo dos escritores do Romantismo, que usavam a figura
idealizada do índio. Em Macunaíma o nacionalismo tem um caráter crítico e a
figura do índio aparece causando uma reflexão sobre o que é ser brasileiro.
Além disso, o prof. Marcílio
também destaca que pretendia-se criar uma literatura brasileira, resgatando a
brasilidade através das lendas e folclores de raiz latino-americana
(principalmente indígenas), e moderna. O caráter “moderno” da obra se dá
principalmente através do aspecto formal do texto, com uma linguagem coloquial,
que foge da norma culta e de qualquer erudição vazia. Outro ponto destacado
pelo professor, é que o estranhamento causado pela leitura de
"Macunaíma" muitas vezes se deve ao distanciamento que temos das
lendas e folclores latino-americanos.
Por fim, o prof. Marcílio
acredita que, devido à importância que o aspecto formal tem na obra, o vestibular
pode exigir conhecimentos referentes a linguagem utilizada e a própria maneira
como o autor escreve o livro. Um exemplo seria a utilização do famoso capítulo
IX, “Carta para Icamiabas”, para discutir estes aspectos formais. Nesse
capítulo, Macunaíma está em São Paulo e escreve uma carta para as Icamiabas
(índias da qual Macunaíma seria o rei) utilizando o português erudito. Porém,
Macunaíma não domina as normas da língua escrita e acaba cometendo alguns
deslizes, o que causa um efeito cômico. O vestibular poderia pedir para o aluno
justificar a presença dessa carta no livro e qual a coerência com o restante da
obra.
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